Filmes e Séries

Shazam! | Crítica | Um filme mágico da DC.

Quem acompanha a DC nas HQs sabe que mesmo apostando em algumas histórias mais sérias, em arcos fechados principalmente, a editora sempre entregou fantasia, diversão e heroísmo. O respeito por todos os seus personagens, cada um com seu tom, era algo nítido e evidente em cada publicação. O grande problema da “fracassada” tentativa de emplacar um universo compartilhado nos cinemas foi justamente a falta de tato e da Warner em respeitar as diferenças tão enaltecidas nos gibis.

Os acertos da trilogia do Nolan, que prezou por fincar os pés do Homem-Morcego na realidade, refletiram negativamente em todo plantel de heróis da editora. Tivemos um Superman depressivo, um Cyborg revoltado, um Flash carente e o Batman bipolar. Personalidades tão lineares, que um simples sorriso da Mulher-maravilha e a ironia do Aquaman arrancavam o amargor de nossos corações, tomados pelo ranço Snyderiano, que insistia em querer criar relações como se todos os personagens fossem o Batman.

Talvez por isso os longas de Diana e Arthur, ainda que o filme da amazona ainda respire “áries” snyderianos, sejam os mais mais aclamados pelo público e crítica.

Felizmente, Shazam!, seguindo o exemplo do excelente Aquaman, veio pra enterrar definitivamente esse bat-padrão. E não porque é uma comédia em sua maior parte. O longa tem muitos, e bons, diga-se de passagem, momentos sombrios. Equilíbrio é fundamental. O tom usado em cada momento é assertivo e a naturalidade nas transições ganham o espectador com um detalhe chamado coração.

Dirigido por David F. Sandberg, conhecido pelo gênero do terror, Shazam! é um filme que tem em seu cerne as relações, sejam felizes ou tristes, de maneira orgânica. Você se importa com herói, vilão e coadjuvantes, entendendo todas as motivações e, quando menos se percebe, está abraçando o filme, sem querer soltar mais. É o filme mais coração da DC.

Um garoto problemático, abandonado pela mãe, pula de lar em lar adotivo sem criar vínculos afetivos e com a único propósito de encontrar sua genitora. Por acaso do destino recebe poderes mágicos de um mago e acaba se tornando um super-herói que não sabe como lidar com poder. O jovem encontra uma família que desperta sentimentos e situações antes nunca sonhadas e um super-vilão que forçará o seu amadurecimento. Este o resumo da trama, que na sua simplicidade ganha toda a nossa atenção.

O roteiro, escrito pelo desconhecido Henry Gayden, apresenta todos os personagens e tramas de maneira certeira e sem muita enrolação. Em poucos diálogos era possível entender a dinâmica de cada um e o que esperar deles na trama. As referências ao DCEU, quase sempre nas falas de Freddy (Jack Dylan Grazer), e aos filmes clássicos da sessão da tarde, como Rocky e Quero ser Grande eram naturais e muito bem escritas.

E por falar nas referências, apesar do longa estrelado por Tom Hanks impor o tom de filmografia ao filme, quem de fato brilha nas referências são os quadrinhos. Shazam! tem como base o arco de Geoff Johns, nos Novos 52.

A exemplo de Aquaman, o quadrinista mostra que não foi uma tacada de sorte, suas histórias são realmente boas.

E com tanta referência pode parecer que o diretor pouco influenciou no resultado final, não é mesmo? Ledo engano. Todo o jeito de contar história, principalmente na montagem e na fotografia tem um traço autoral muito forte do diretor. O tom sombrio de algumas cenas foi intercalado com piadas muito bem sacadas. Nada inovador, mas competente no geral.

Aliás o tom humor caiu como uma luva pra Zachary Levi. Ele vestiu a capa curta como ninguém e era crível como realmente parecia uma criança em corpo de adulto. Cada expressão ou fala tinham o tom certo e realmente parecia uma versão mais velha de Asher Angel. Ambos passavam o ar delinquente, porém amoroso, de Billy Batson.

Vale citar que Jack Dylan Grazer brilhou, mostrando seu extenso range dramático, além de fazer o papel do espectador, apaixonado pelos heróis da DC. Quem me decepcionou um pouco foi Mark Strong, que apesar de encaixar alguns ótimos diálogos, está fazendo o papel dele mesmo e não do Dr. Silvana, o que pode funcionar em alguns momentos, mas só serviu pra mover a trama do protagonista. É o ponto baixo do filme.

Mas o que mais me encantou foi a família adotiva de Billy Batson. Todos, sem exceção, tinham sua personalidade e função bem claras. A interação entre eles movimentou o terceiro ato de uma forma inacreditável. Chegou ao ponto de eu pensar, chega de mostrar o Shazam!, eu quero ver Darla (Faithe Herman), Eugene (Ian Chen), Pedro (Jovan Armand), Mary (Grace Fulton) e Freddy. O grande momento do filme é a relação e o companheirismo entre eles.

O CGI tem alguns pontos fracos, mas nada que realmente incomode. Algumas escolhas erradas estão muito mais nas costas do design de produção do que na execução em si. Talvez o orçamento do filme tenha atrapalhado.

A ação é diferente do usual. Os embates físicos não são coreografados e nem poderiam ser, afinal não havia lutadores em cena. Todo o ar de improviso, como alguns clichês de lutas, ganharam desfechos cômicos e bem divertidos.

No geral todo filme é carregado pelo tom leve do personagem, mas sem perder o rumo, quando precisa ser dramático. Não perde o rebolado (alá Katy Perry) em nenhum momento. Mesmo quando a montagem, as vezes bagunçada, podia ser enxugada por excessos de porradas fofas, o filme não caiu naquele momento power rangers, com a luta final grandiosa, que salvará a humanidade.

Sem raio azul, Shazam! é contido e dentro de sua proposta a cumpre muito bem. Cada personagem tem o seu tom, épico, sombrio ou piadista, e parece que a DC/Warner finalmente entendeu isso. Oremos.

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