“Para Beatrice – Querida, adorada, morta.”
Assim começam as desventuras dos Baudelaire. Órfãos devido a um incêndio que levou a vida dos pais, Klaus, Violet e Sunny são deixados no mundo a mercê de um banqueiro irresponsável, que os passa de casa em casa para quem pudesse lhes acolher. O problema de tudo isso é a sombra do conde Olaf, que só está em busca da herança da família.

Bom, essa história possivelmente você já conheça, muito provavelmente pelo filme de 2004 que tem Jim Carrey no papel de Olaf, ou através da série de 13 livros, publicados em 1999. Mas a Netflix levou Desventuras em Série a um outro patamar, e pegou a ideia dos 13 livros e dividiu em 3 temporadas.
Meu primeiro ponto positivo da série vai na forma de divisão da história. Iniciada em 2017 com 8 episódios, a temporada contava a história dos 4 primeiros livros da saga, sendo a cada 2 episódios focada em um deles, muito melhor estruturada do que o filme, que em duas horas, contou a história de 3 livros e nada mais.

A primeira temporada foi uma boa apresentação da série, mas não nos apresentou algo tão forte que pudesse encantar e colocar a série no topo das produções Netflix. Neil Patrick Harris desempenhava brilhantemente o papel de Olaf, e as crianças interpretavam muito bem seus papéis, cada qual com sua particularidade do personagem.
A introdução de Lemony Snicket como narrador presente foi uma excelente adição da adaptação Netflix, que trouxe para trama um tom mais dramático e melancólico, que movem a história a todo momento, desde a música de introdução, até cada frase de início do episódio.

A segunda temporada chegou levando a série a um outro patamar, aonde somos apresentados a mistérios que arreganham as portas de possibilidades da história. Para quem ainda não havia lido o livro (como eu), ficava a curiosidade e as teorias de quem seria realmente Olaf, de onde estariam os pais dos Baudelaire (se é que ele estavam vivos), e quem são as pessoas que surgem para ajudá-los no meio de tantas desventuras.
Os personagens secundários que surgem a cada nova história são excelentes adições a história, sendo muitos deles parte do desenrolar da trama até o seu final. Mesmo aqueles com uma breve aparição em um ou dois episódios, são tão bem interpretados e construídos, que dá gosto do elenco que a série trouxe.

Num tom mais adolescente e a crescente do humor negro presente durante toda a série, o segundo ano tem um roteiro um pouco mais arrastado, de poucas resoluções e muitas respostas, coisa que era inevitável de ocorrer, já que os 10 episódios contaram as histórias do livro 5 ao 9, que desenvolvem alguns pontos construídos no primeiro ano, e dão margem para a conclusão que está por vir no terceiro ano.
Ah, a terceira temporada. Dá gosto falar da obra de arte lançada no primeiro dia de 2019. A conclusão que todas as séries buscam ter, e que Desventuras em Série conseguiu. A evolução de roteiro e atuação é nítida, entregando a melhor temporada com um desfecho digno de uma obra muito bem construída desde o seu início.

Se o intuito de Olaf era dar medo e praticar o instinto de perseguição, no terceiro ano ele chega ao seu suprassumo. Se o objetivo dos órfãos era sobreviver as desventuras em busca de respostas a partir da criatividade de Violet, sabedoria de Klaus e audácia de Sunny, aqui eles entregaram o que há de melhor com dedicação total.
É muito equilibrado em todas temporadas o protagonismo da série, compartilhado entre os três irmãos de forma bem distribuída, sem termos um privilégio entre um papel ou outro, afinal um dos lemas de Desventuras em Série é que o ambiente familiar é o mais seguro que pode haver no mundo, mesmo que conturbado por aspectos externos, que muito aparecem na história.

Além de ser uma história de sobrevivência com muita aventura, drama familiar e comédia, Desventuras em Série traz uma metáfora brilhantemente construída sobre a nossa vida, passando pelas descobertas da infância, curiosidades da adolescência, desafios da vida adulta e construção do legado na velhice.
A fotografia da série encanta, contrastando muito bem o uso de cores e figurino dos atores, fato este que é muito característico na obra e tinha de ser bem adaptado para a série. Os cenários são escuros e movidos a tons de cinza por conta do incêndio que inicia todas as desventuras, mas que aos poucos vai se tornando mais claro e vívido, conforme surge um fio de esperança aos Baudelaire.

Por esses e outros aspectos, a série da Netflix é recomendada para todos os públicos, sendo aquela digna de se ver em família num fim de semana movido a pipoca no sofá, para gerar muita risada, diversão e reflexão sobre temas intrínsecos na tragédia dos Baudelaire.
O título desta crônica é uma mera brincadeira com o tom que a série dita, dizendo que é melhor você não assistir a trágica história do Baudelaire, que de feliz não tem nada. Realmente momentos felizes são raros na saga, mas que mesmo trágica, vale cada minuto assistido de uma obra brilhantemente adaptada para a telinha.
Agora, somos todos órfãos dos Baudelaire…