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Dark, a melhor série da Netflix – 3ª Temporada | Crítica

Dark usou essa citação em tantos momentos importantes, ao longo de suas 3 temporadas, que tínhamos a impressão que o termo se tornaria obsoleto, genérico. Inocentes, não? A verdade é que nosso ciclo chegou ao fim, ou ao começo, depende do ponto de vista, e, mesmo confiando no trabalho dos produtores, uma série tão complexa como Dark tinha tudo pra dar errado. E não deu. Melhor do que isso, surpreendeu. A gente achava que conhecia, que entendia os ciclos, núcleos e ligações familiares, mas as duas primeiras temporadas eram apenas uma gota e a Netflix nos entregou um oceano de possibilidades na terceira e última temporada.

Antes de continuar, deixo claro que haverá spoilers leves das primeiras temporadas, até pra gente conversar sobre algumas coisas. Eu digo conversar mesmo, porque é o que a gente mais quer fazer é  falar depois de cada episódio da série. Vem cá amigo, vamos conversar, como conversei aqui no texto que escrevi quando conheci a série. Depois eu prometo, vai rolar um texto discutindo as tramas mais a fundo, hoje vou dar só impressões, SEM SPOILERS. Será possível?

É engraçado como uma série de tantas camadas quanto Dark, que falou de física, alquimia, existencialismo, psicologia, filosofia, que desmistificou viagem no tempo, ciclos temporais, multiversos e bifurcação temporal em realidades paralelas sobrepostas se apoiou tanto em conceitos bíblicos, ou melhor religiosos, para retratar seus personagens. Parece simplista, mas não é. O ser humano é complexo, e como Dark, o desconhecido vem em camadas. 

Nossos antepassados não tinham o conhecimento da ciência, e tudo que era sobrenatural a seus olhos era Obra de Deus, seja lá qual era a figura religiosa que seguia. Era a primeira camada, mas em busca do conhecimento, mitos e milagres eram descobertos como ciência pura, aumentando ainda mais a complexibilidade. Mas ainda assim a religião é fundamental para o desenvolvimento humano. Ela norteia o senso moral, baliza a ética. Muitas vezes isso também cega, criando pessoas que humilham, matam, ofendem e discriminam pessoas que pensam ou agem diferentes de seus dogmas. Incrível como Dark usa isso para manipular as pessoas. Personagens e espectadores.

A terceira temporada é sobre fé, sobre fazer o que acredita, sobre seguir, ou não, dogmas e líderes que nos manipulam, movendo-nos como peças de um jogo de interesses. Seus próprios interesses. E, veja bem, isso não tem nada a ver sobre bem ou mal, certo ou errado. Nada disso. É sobre acreditar. Acreditar que temos escolha, o tal livre arbítrio, que não somos gado, seja do Adam, seja da Claúdia, seja das nossas próprias expectativas.

Por isso a série não é sobre religião, ciência ou um meio termo entre elas, a filosofia. Dark é sobre a complexibilidade humana, é sobre como nos relacionamos, com nossos medos, amores e perdas. Uma grande perda pode desencadear tantas coisas em nossas vidas, não é? Eu falo por experiência própria. Perdi minha mãe há 6 anos, a maior perda da minha vida, e de repente tudo mudou, minha vida tomou outro rumo. Eu escolhi se me afundava na tristeza ou se tomaria um rumo que minha mãe se orgulharia. Escolhi a segunda opção, mas não escolhi querer mudar. O destino que levou minha mãe, escolheu por mim. 🙁

Assim começa a terceira temporada, e de certa forma também termina, afinal, o fim é o começo. O começo é o fim. Isso ecoou em nossas mentes desde o final da segunda temporada, porque abre inúmeras possibilidades e nos levou a inúmeras teorias. Como pode isso? Será que o ciclo não foi quebrado? Eu pensava que Dark era sobre o mistério que causava tudo isso. Eu estava errado. A série é sobre pessoas, como Lost era. E a Netflix sabia disso desde o começo.

Foi a empatia que criamos sobre Jonas e Matha, o casal que era impossível, apesar de perfeito. Foram as traições de Ulrich, ou melhor da família Nielsen, que nos fazia querer entender esse lado cinzento de cada personagem. Foi agonia de ter uma filha, mãe ou esposa com câncer, ou de perdê-lo sem saber o que aconteceu, como Jana e Katharina.

Sentir o vazio da morte do pai, como Jonas sentiu, não é fácil. Ainda mais, depois de ver a mulher que ama morrer e se sentir culpado por isso. Adam, por mais maquiavélico e manipulador que fosse, tinha essas duas dores consigo e, depois de 66 anos tentando mudar o passado, seria o caminho lógico o que tomou? 

O que nos leva a entender que o desenvolvimento dos personagens e seus arcos dramáticos sempre foram o mais importante da série. Essa é a terceira camada, que por mais que a segunda, repleta de ciência, mistérios que foram desvendados (nem todos) e perguntas respondidas, as vezes com outras perguntas, sejam essenciais para o envolvimento do fandom e o desenvolvimento de todas as teorias possíveis, sempre tratou o que é mais importante pra Dark ser o fenômeno que foi. Uma boa história. 

O roteiro, cuidadosamente escrito, pincelou em áreas da ciência e religião como gatilho, mas nos entregava relações humanas complexas, em uma enorme área cinza, não pelo clima da Alemanha, mas pelo oceano de escolhas que a vida entregava a seus personagens. Cada história ou personagem foi correlacionado de maneira mais natural possível com a vida real, situações reais. Nós, o público, somos como um espelho e isso é o que nos fez se apaixonar, odiar ou torcer por cada reviravolta, e como teve reviravolta ao longo desses três anos. “Quando você olha muito tempo para o abismo, o abismo olha para você.” 

Obrigado Baran bo Odar, diretor, roteirista e um dos criadores da série, foram 3 anos incríveis e bem dosados de mistérios e boas histórias. E o fim chegou. Ousadia é a palavra deste projeto, concebido com começo, meio e fim, encerrando no seu auge, sem se contaminar com a ganância de explorar mais comercialmente a história, com incontáveis temporadas ou inchando as temporadas com mais episódios. Sutil e cirúrgica, Dark é uma obra prima que marcou a história da Netflix. E o tempo só fará bem a essa série. Tique taque.

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