Confesso ser um fã assumido de Alfonso Cuarón, afinal, foi ele quem me incentivou a estudar mais a fundo o meu grande amor, o cinema, logo após assistir Gravidade, em 2013, e ficar embasbacado com o clima criado pelo diretor. Isso sem contar Filhos da Esperança, com certeza, um dos melhores filmes que já assisti.
Outro amor que o cineasta me trouxe foi a franquia Harry Potter, já que nunca havia me interessado pelos livros de J.K. Rowling e os 2 primeiros filmes da franquia, na época, me pareciam infantis e lineares demais. Ao assistir O Prisioneiro de Azkaban me encantei pelo universo mágico e com o jeito de Cuarón contar histórias, originais ou não.
Olha, confesso que o fato da produção ser da Netflix, chegou a dar calafrios, mas pro deleite dos amantes da sétima arte (Oi, Maurílio), Alfonso não só entrega a melhor produção do serviço streaming, como também um de seus melhores filmes. Roma é uma obra de arte contemporânea.
O diretor, que além dirigir, produz, assina o roteiro, a fotografia e é o editor do filme (c*ralho!!), assume todas as funções possíveis no controle criativo do filme, pra imprimir toda a imersão que obra pede, assumindo riscos e abrindo mão de de processos para que a produção reflita nas telas, como em sua cabeça.
E quando digo sua cabeça, é literal. O filme, que conta história de Cléo, um empregada doméstica, que vive nas casa dos patrões, em meados dos anos 70, com uma vida pacata e rotineira, mas que após um incidente, muda sua percepção da vida, dos homens e cria uma empatia espelhada em sua patroa, Sofia, uma professora de classe média, que tenta criar seus 4 filhos, na cidade do México. Essa sinopse nada mais é do que as memórias de Alfonso, de sua infância, família e seu país.
Cada frame do filme é um espelho das memórias do diretor e inspirado na vida de Libo, Liboria Rodríguez, que trabalhava em sua casa e ajudou a criar Alfonso e seus irmãos. Em Roma ela virou Cleo, vivida pela estreante e quase sempre contida Yalitza Aparicio, que mesmo sem ter experiência, emociona com naturalidade.
Natural é a palavra chave, já que nem os atores, nem a equipe de produção conheciam o roteiro, até a gravação das cenas. O longa, que foi filmado em ordem cronológica, tinha uma história, que todos conheciam, mas as falas eram praticamente escritas (às vezes apenas faladas) na hora da gravação, o que trazia espontaneidade a todos na cena, muitas vezes no primeiro take.
A ambientação é em meio a um momento histórico mexicano e suas consequências na trama, são de forma não forçada deixando tudo mais fluído e sem muito esforço, entendemos que é algo real, acreditando e sofrendo com cada pedra no caminho de Cléo, que apesar do carinho de todos da casa, é a empregada e se põe em seu lugar corriqueiramente.
Aos poucos a relação evolui, mas não vende nada fantasioso, é real. O arco dramático da personagem cresce junto com a relação.
Verdade seja dita, o filme não é pra qualquer um, não porque seja erudito ou cult, e sim porque não é uma história cheia de plot twists ou ganchos. É uma narrativa simples e cotidiana, contada em um ritmo mais lento do que costumamos ver na produções hollywoodianas, sem grandes nomes da atuação, mas que em sua simplicidade, comove até o mais duro dos corações na cena da praia.
Pasmem, ele emociona sem o artifício da trilha sonora, a produção praticamente não tem música, o que compensa com um design de áudio espetacular. Cada som, seja uma vassoura, um carro ou um telefone, parece milimetricamente encaixado.
Já que entramos no assunto técnico, vale dizer que se espera aquela câmera na mão, costumeiras de seus filmes, esqueça, o diretor, sempre muito bem acompanhado pelo premiado diretor de fotografia Emmanuel Lubezki, assumiu a fotografia, e não fez feio. Colocou a câmera no tripé, uma lente 65mm e resolveu contar sua mais poderosa história em preto e branco, só que usando o digital ao invés do analógico.
Com a escolha ele perde o tradicional ruído, mas ganhou com uma nitidez quase fantasiosa, o que emulou a maneira como ele via aquelas cenas em sua mente. O movimento que câmera faz, como se observasse as cenas, construindo-as algumas com plano sequência (no tripé!!!), os travelings e jeito como enquadra, lembram como uma criança assistisse, de maneira imersiva, mas não invasiva a cada sequência.
Tecnicamente impecável e de uma sensibilidade absurda, Roma não se destaca apenas pelo bom trabalho do diretor, a mente brilhante por trás do projeto, mas também por fugir de todos os clichês que a indústria cinematográfica vem apostando nos últimos anos. A Netflix fez uma aposta certa e que este filme alavanque tantas outras produções como esta, que certamente será lembrada no Oscar.
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